Mr. Magoo não viu a morte quando teve a ideia heroica de realizar um voo sobre a Coreia em chamas. Ao decolar de Nagoia rumo à península em guerra, ele levou consigo apenas uma cesta com peras, fonte de potássio e amigas dos intestinos. Disse à mulher, Doroteia, em prantos, mergulhada na feiura da velhice sombria que trouxera do vale do Mississipi:
- Não me magoo por deixá-la. Amo-a como a amei, lá em Colorado Bay. Mulher, apazigue suas lamúrias e me traga um par de camisas polo, porque não quero parecer malsucedido, nem malnascido, ao descer na Coreia. Minha autoestima precisa estar inabalável quando pousar naquela terra pouco multirracial.
A mulher conteve as lágrimas e caminhou na velocidade de jiboia ferida que mexera com os brios do velho 134 anos antes. Ainda tinha pernas rijas, exibidas garbosamente, sem medo de ser ridícula, sob a minissaia comprada numa loja meio século antes.
- Ande, mulher! Não existem sistemas políticos semirrígidos! Precisamos derrubar os comunistas!
Ela não apressou o passo. Entrou na casinha isolada em que viviam, ladeada pela humilde pista de decolagem do marido, e preparou a mala para seu homem. Incluiu, sem falar a ele, alguns anti-inflamatórios, creme para pele extrasseca, linguicas pré-aquecidas no micro-ondas e um autorretrato que ela havia feito quando completaram dois anos juntos.
- Para, vai. Você não precisa ir.
- Não fala assim que você me dá enjoo.
Eles veem um ao outro. Têm as rugas de uma uva-passa no coração. Mas ainda se desejam com fervor e louvor.
O velho Magoo enxaguou o rosto, deu um abraço na mulher, disse a ela para ficar tranquila e se despediu.
Foram 88 horas de viagem panceleste, que poderiam ser muito menos, mas Mr. Magoo sempre foi piloto comedido em seus voos. Quando chegou nos arredores de Seul, as tropas do norte avançando sobre o sul, pousou em segurança numa pista clandestina. Comeu seu sanduíche de linguiça com pera e caiu estatelado no chão, morto ao lado da boia semirregurgitada.
Rodeando o cadáver de Magoo, o motivo de sua morte instantânea, a visão sobre-humana que tivera no instante final, o suprassumo da demência ultrainterina. Pinguins sem trema e virgens sem hífen. Ou melhor, sem hímen.
Felipe Van Deursen é uma das poucas pessoas que já sabe escrever direitinho seguindo as novas regras da reforma da língua portuguesa. O rapaz é jornalista, bon vivant e sacerdote da filosofia Ulça! Faz piada no SuceÇo e fala sério no seu blog, além de escrever para a revista VIP e fazer pós em Jornalismo Literário.
=> Quer escrever no Clube? Mande seus textos para clube.ideias@gmail.com
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
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9 comentários:
Muito bom o texto! Fiquei sem plavras e sem trema, claro!
Bela estréia no Clube, Felipe!
Ahh! Como odeio as novas regras!
Mas parabéns pelo texto! rs
Bjs
Brilhante
psicografado por F.
Esse menino vai longe.
Pra mim, esse texto mostra como esse "acordo" ortográfico é mesmo uma palhaçada!! Dá até agonia ao lê-lo :(
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