segunda-feira, 27 de abril de 2009

circo - Sabrina Barrios

E ai? Gostaram do novo topo do nosso blog? Quem fez foi a Sabrina Barrios!

A Sabrina está indo pra Nova York agora, e pra celebrar a viagem + o topo que deu vida ao nosso Clubinho, postamos mais uma ilustra da gaúcha, desta vez a obra "circo". Originalmente publicada no seu flickr

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quarta-feira, 22 de abril de 2009

Um parque de diversões da cabeça - Lawrence Ferlinghetti

Resolvi publicar aqui, além da produção de novos artistas/escrevinhadores algumas poesias/contos de autores consagrados. Assim como enriquecer nosso conteúdo, isto também pode ajudar a trazer novos internautas atrás de velhos poetas. Pra começar selecionei três poesias de "Um parque de diversões da cabeça" do escritor beat Lawrence Ferlinghetti. (Fred)

House Boat Days Never Play Cards with a Guy Called Doc 1993

10
.

Em toda minha vida jamais deitei com a beleza
confidenciando a mim mesmo
seus encantos exuberantes
Jamais deitei com a beleza em toda a minha vida
e tampouco menti junto a ela
confidenciando a mim mesmo
como a beleza jamais morre
mas jaz afastada
entre os aborígenes
da arte
e paira muito acima dos campos de batalhas
do amor
Ela está acima disto tudo
oh sim
Está sentada no mais seleto dos
bancos do templo
lá onde os diretores de arte encontram-se
para escolher o que há de ficar eterno
E eles sim deitaram-se com a beleza
suas vidas inteiras
E deliciaram-se com a ambrosia
e sorveram os vinhos do Paraíso
Portanto sabem com precisão
como algo belo é uma jóia
rara rara
e como nunca nunca
poderá desvanecer-se
num investimento sem tostão
Oh não jamais deitei
em Regaços da Beleza como esses
receoso de levantar-me à noite
com medo de perder de alguma forma
algum movimento que a beleza pudesse esboçar
No entanto dormi com a beleza
da minha própria e bizarra maneira
e aprontei uma ou duas cenas muito loucas
com a beleza em minha cama
e daí transbordou um poema ou dois
para esse mundo que parece o de Bosch



20.


Na confeitaria barata para além do El*
foi onde pela primeira vez
me apaixonei
pela irrealidade
Os drops reluziam na semi-obscuridade
daquele entardecer de setembro
Um gato deslizava sobre o balcão entre
pirulitos
e pães de forma
e Oh chicletes de bola

Lá fora as folhas caíam ao morrerem
O vento soprava para longe o sol

Uma garota entrou apressada
O cabelo molhado pela chuva
Seus seios sufocando na loja minúscula

Lá fora as folhas caíam
e gritavam
Cedo demais! Cedo demais!

*El: a elevada do metrô.(N. do T.)


28

Dove sta amoré
Donde está o amor
Dove sta amoré
Aqui jaz o amor
Amora jazz amor
Num lírico encanto
Cantos de amor da serra
Canto que em si se encerra
Cantos de cor singela
Cantos de dor sincera
À noite pelos cantos
Dove sta amoré
Aqui jaz o amor
Amora jazz amor
Aqui jaz o amor

Tradução dos poemas: Eduardo Bueno

Um vídeo:

Participação do poeta com "Last Prayer" no último show da The Band, grupo que ficou famoso por acompanhar Bob Dylan

Uma imagem:
Samothrace with Rainbow, 1992, Lawrence Ferlingheti

O americano Lawrence Ferlinghetti (24/03/1919) é poeta, tradutor, pintor e co-fundador da editora e livraria City Lights, responsável pelo lançamento de diversas obras fundamentais da literatura beat. Seu trabalho mais famoso é "Um parque de diversões da cabeça", de 1958.

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domingo, 19 de abril de 2009

lettering, heart, radiohead - Mari Coan

Jigsaw falling into place, do Radiohead. Nanquim, lápis e aquarela sobre papel.

Descobri a Mari Coan através do Gabriel Gianordoli, sócio não pagante do nosso clube imaginário. Espero que ela goste de descobrir suar arte aqui. Vale a pena conferir mais no Flickr dela

Nó cego. Lápis e aquarela sobre papel.

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quinta-feira, 16 de abril de 2009

Amor nosso de cada dia - Bárbara dos Anjos

O amor que mora na casa do lado está morrendo.
Romântica que sou, detesto ver um amor morrer.
Fico nostálgica pelos outros.
Triste pelo vazio que vai ficar.
O vazio de risadas, danças e de brilho nos olhares.
Fico temerosa pelo tempo em que a tristeza pode morar ali, tão pertinho.
E não quero pensar nem por um momento que amor da minha casa pode acabar.
Ele é tão lindo, tão puro, tão tudo-aquilo-que-eu-sempre-sonhei. Tão amor.
Mas logo escuto sorrisos na casa ao lado.
Vejo flores renascerem.
Escuto novas músicas para se dançar.
E percebo: toda vez que um amor morre nascem pelo menos mais dois no seu lugar.
É disso que amor vive.
De se dividir. E de se multiplicar.
Até bater de novo (e pra sempre) em todas as casas da vizinhança.

Bárbara dos Anjos é jornalista, gaúcha e libriana. Acha que está saindo de um bloqueio criativo. Mas como boa libriana está meio insegura. O que você acha?

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quarta-feira, 15 de abril de 2009

É que tá ficando tarde - Karol Felicio

Poesia estreando no Clube de Ideias

... Ta ficando tarde para nós

Está ventando forte lá fora

Eu até já fechei a porta

Mas tem alguém querendo entrar...

Deixei aquele disco tocando

Fui comer, tomei um banho

O som ta looonge, e você demorando

Ta ficando tarde para nós

Eu pedi tanto que não fosse embora

Gritei “Quando voltar chora, implora!”

Mas ta tudo tão sereno agora

É que ta ficando tarde pra nós

Quebrei a casa depois fiquei arrumando

O controle já está funcionando

Olha lá! Já tem uma flor brotando

Ta ficando tarde pra nós

E se é realmente tarde

Ao menos venha

Conte-me a sua verdade

Como a um velho amigo, sincera

Só para eu ficar em paz

...É que tem alguém batendo

E eu preciso atender a porta.

Karol Felicio é mulher e sabe o que quer. Filha de Pagu, jornalirista made in Espírito Santo gosta que devorem suas poesias(indigestas ou não) aqui ou em seu blog. Com garfo e faca ou com as mãos.

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=>Mais poesias da Karol aqui



terça-feira, 14 de abril de 2009

Bastante - Henrique de Carvalho

-Clique na imagem para ler o texto



Henrique de Carvalho já atendeu pelas alcunhas de Zebra e Brinquedo quando cursava Arquitetura na Unesp de Bauru. Hoje ele deita e rola em arquitetura, urbanismo, paisagismo, intervenções de arte e pedidos expressos de poesia e prosa.

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domingo, 12 de abril de 2009

"Viva Zapata", Elia Kazan: 19ª Sessão do Clube de Ideias

-Leia análise do filme "O Leopardo"

Professores associados: Jáder, Machado, Vladimir, Teixeira, Figueiredo e Veloso.

Viva Zapata!

Mais uma vez nos debruçamos sobre o México apreciando um belo charuto Montecristo. A revolução mexicana de 1910 foi objeto da nossa discussão, após assistirmos ao filme “Viva Zapata!” de Elia Kazan de 1952, com roteiro de John Steinbeck.



Marlon Brando transformado em mexicano é o protagonista. O filme conta também com a bela atuação de Anthony Quinn, como general e irmão de Zapata (Brando). O professor Teixeira lembra que o filme é quase didático na abordagem da Revolução mexicana, mas não deixa de ser a visão de “Holiude”.

O professor Machado lembra que Glauber Rocha escreveu em “O século do cinema” (pg. 50 51), que “Kazan,..., conseguiu transmitir, influenciado por Que Viva México, de Eisenstein, a paisagem mexicana com grande plasticidade. Mesmo negando o valor da revolução quando pretende provar que os chefes se corrompem quando atingem o poder, pôde, sob o ponto de vista cinematográfico, ser mais objetivo, mesmo intencional, mais vivo.”

O filme apresenta um ponto nebuloso sob o ponto de vista histórico quando Zapata aparece como dirigente político burocrata derrubando o general Huerta se transformando em presidente do México. Tal situação não aconteceu alerta o professor Figueiredo.

Fomos reconstituindo alguns episódios da história da Revolução mexicana admirando a bela fotografia do filme de Kazan.

Dessa forma, o processo revolucionário deve ser compreendido a partir da queda de Porfírio Díaz que ficou no poder durante um grande tempo (1877 a 1911), modernizando o país: avanços no campo da ciência, industrialização, livre comércio. Mas seu governo estava associado à Igreja Católica, aos grandes proprietários e especuladores. É a fase de grande concentração de terras, e a situação dos trabalhadores no campo é dramática. Ocorre também grande dependência do capital norte-americano.

Amplo descontentamento popular devido à corrupta classe dominante e seus associados no clero e governo provoca a eclosão de revoltas no campo e cidades (operários organizados em sindicatos anarquistas). É a Revolução de 1910, que contou com a participação ativa da mulher (a soldadera).

Elites políticas sob o comando de Francisco Madero (que não é tão débil como o filme procura demonstrar), tentam impedir o continuísmo político, através de um levante armado, que se transforma em revolta social, devido ao levante de camponeses liderados por Pancho Villa e Emiliano Zapata.

A figura de Zapata não é a de um simples índio analfabeto, que se transformou em liderança, como o filme acaba induzindo, mas era um homem politizado assessorado por anarquistas. No filme a figura de Fernando Aguirre (Joseph Wiseman) emissário de Madero, está mais para representante do comintern, que afirma que a máquina de escrever é a espada da mente e tece a seguinte consideração sobre os revolucionários zapatistas: isso tudo é muito desorganizado.

Em 1911 Madero vence eleições e vira presidente. Sob pressão de Zapata é elaborado o Plano Ayala onde é lançada à luta contra o governo de Madero e apresenta as reivindicações camponesas: reforma agrária no sul através de sistema coletivo de ocupação da terra com a participação do povo nas decisões (eleição de tribunais, etc.). Sob o lema “Terra e Liberdade” ocupa a Cidade do México por três vezes entre 1914 e 1915.

Em 1913 ocorre um golpe contra Madero, que foi fuzilado com o vice-presidente. Assume o general Huerta que ameaça os opositores.

Em 1914 encontro entre Zapata e Villa (no filme Allan Reed) em Xochimilco, levando a invasão da cidade do México. Em janeiro de 1915 a cidade do México é governada pelos representantes da Convenção, mas expulsos da cidade pelo general Obregón.

No estado de Morelos Zapata aplica a reforma agrária, redistribuindo as terras às aldeias indígenas e defende as fronteiras do estado até maio de 1916.

Os generais Victoriano Huerta e Venustiano Carranza, chegam ao poder e fracassaram na realização da reforma agrária.

No governo de Carranza é promulgada a nova constituição (1917), onde se estabelece a reforma agrária; protege os operários; garante o controle do Estado sobre o subsolo. Mas as reformas destroem o espírito revolucionário.

O filme omite a intervenção freqüente dos Estados Unidos no processo revolucionário, chegando a ocupar algumas regiões do México, como Vera Cruz para garantir seus interesses e deter o carro revolucionário.

Era preciso derrotar Zapata não só no campo militar, mas destruí-lo. Para isso entra em cena o Coronel Jesus Guajardo, enviado por Carranza, para eliminar Zapata através de um ardil fingindo estar passando para o lado de Zapata. O ardil leva a execução de Zapata em 1919.

Mas o espírito de luta prossegue, pois os camponeses no filme não acreditam na morte de Zapata, simbolizado pelo seu cavalo, livre que segue em direção às montanhas, embrião da resistência atual dos zapatistas do subcomandante Marcos.

Para encerrar ficamos contentes com a leitora da 16ª Sessão do Clube de Idéias, a Sra. Elisa Franca como mais uma entusiasta do tirar a roupa e descobrir o ócio.

Jáder Marcos Paes Correto da Rocha

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Assista ao trailer de "Viva Zapata"

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Animais - Gabriel Gianordoli

Clique nas imagens para vê-las ampliadas

O capixaba Gabriel Gianordoli desenvolveu uma série de ilustrações de animais em preto e branco em seu Sketchbook e publicou todas no seu Flickr. Selecionamos duas para colocar no Clube de Ideias e agora aguardamos ansiosos que o designer e guitarrista cumpra sua promessa e faça uma ilustração exclusiva para o Clube de Ideias.


Nós queremos sua arte! Mande seus rabiscos e contos para clube.ideias@gmail.com

=>
Mais ilustrações do Gabriel aqui

domingo, 5 de abril de 2009

Imposto de renda - 18ª sessão do Clube de Idéias

Penápolis, 22 de março de 2009.

Professores associados: Jáder, Machado, Vladimir, Teixeira, Figueiredo e Veloso.
“A sociedade é hoje o produto das ações dos indivíduos de ontem, assim o amanhã será espelho de nossas ações de hoje”.

Receita Federal uma história de cidadania

Mergulhamos na declaração do imposto de renda e não nos sentimos mais cidadãos, principalmente porque poucos dos associados irão restituir imposto. A nossa sina vai ser pagar, em suaves prestações (até oito) o imposto devido, apesar da nossa pequena renda.

O professor Figueiredo, que restitui imposto, concorda com o pensamento da Receita e vê como inevitável o seu pagamento, senão o país não funciona.

Você está parcialmente certo diz Vladimir, principalmente se os impostos fossem revertidos para ações sociais eficientes e não como cacife político para negociações entre o estado e a classe política. Sem contar que é obrigação constitucional do governo a prática da assistência social.

Neste aspecto veja a Suíça, diz o professor Machado. Se alguém é demitido recebe 80% do seu salário por 11 meses. Se não consegue arrumar emprego depois dos 11 meses, o estado garante o aluguel e paga o atendimento de saúde. E mais, ele passa a receber US$ 1 mil dólares por mês e uma bolsa para alimentação. Isso que é história de cidadania.

Atarantado com a declaração e com o valor que terá que pagar de imposto, por causa dos seus quatro empregos, o professor Veloso entra em transe passando a ter delírios glauberianos: Cortar cabeças num estado sem cabeças. Apontar fuzis. O prazer do poder, a solidão do poder. O Clamor do povo. Morte ao usurpador. Curar e depois morrer.

Enviamos as declarações de imposto e frustrados sentamos em silêncio. Abrimos uma garrafa de Serra Malte, acendemos um Jewels black gold e aguardamos o fim do dia.



Jáder Marcos Paes Correto da Rocha

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quarta-feira, 1 de abril de 2009

A Ilha - Frico/Sabrina Barrios

Essa é a primeira parceria "arte-texto" do Clube de Ideias, esperamos em breve mais "crossovers" de formatos por aqui :-)


A Ilha

Fazia muito tempo que estavam ali: o jovem e a menina. Tanto tempo que já nem sabiam mais o que tinha acontecido direito. Eram os únicos sobreviventes de um naufrágio, disso tinham certeza, do resto não lembravam muito: se eram parentes, se haviam se conhecido no acidente, se viajavam de barco ou avião. Nem do seu nome recordavam-se, perderam-se, assim, sem passado, sem memória e sem nomes, tiveram que inventar de novo a vida. Às vezes, a menina sonhava com a mãe. Não lembrava direito, mas entendia o que era uma mãe, quando sonhava sentia o cheiro de proteção e o calor do afeto. Ela devia ter por volta de cinco anos e ele quinze. A diferença de idade os afastava. Não podia ser seu pai, e nem seu amante, estava no ápice das descobertas sexuais e sentia muita vontade de ter uma mulher. Decidiram que quando ela fizesse quinze anos poderiam casar, até então seriam como irmãos.
Desejo

A menina inventou que o jovem chamava Desejo e ele a chamou de Utopia. Viviam sozinhos, com as árvores e os peixes, se alimentavam de cocos e frutas e andavam nus. Desejo era loiro de cabelos encaracolados e Utopia tinha cabelos negros curtos e uma pinta na bochecha. Desejo ensinava tudo que sabia a Utopia, sobre o pouco que lembrava da vida antiga e sobre o que aprendia a cada dia na ilha. No começo ele brincava com ela também, mas quanto mais Desejo crescia, menos queria ser criança. Quando Desejo fez dezoito anos começou a sonhar que Utopia era uma moça grande, com boca carnuda e seios fartos, os dois dormiam juntos e tinham uma porção de filhos. Às vezes, o rapaz acordava excitado pelo sonho e sentia vergonha. Resolveu,então, que era melhor os dois dormirem separados e construiu uma divisória na cabana. A menina não entendeu direito porque Desejo tinha feito uma divisória e por que o Desejo se cobria, agora, com uma folha. Foi por esses tempos que ela conheceu dois amigos imaginários: A Vergonha e o Pudor. Mas logo, Utopia se encheu dos amigos, ela não gostava da Vergonha e achava o Pudor muito sério. Ficou mais alguns anos amiga de Ninguém, até que ficou brava. Porque Ninguém nunca estava lá quando ela precisava e Ninguém falava muito com ela. Ninguém sabia por que Desejo tinha coberto seu corpo e Ninguém contava pra ela. Utopia achou que Desejo e Ninguém eram bobos e foi brincar com outros amigos.

A tristeza da menina era porque naquela ilha, ela sem Ninguém só tinha o Desejo e o Mar, e então começou a ficar amiga do Mar. Às vezes ela queria que o Mar fosse seu pai, porque não se lembrava dele direito. Às vezes ela sonhava que era filha do Vento ou da Terra, e que sua mãe era uma virgem como Nossa Senhora, seja lá o que isso significasse... O Mar era seu amigo, e sempre a abraçava e lhe contava segredos, o Mar tinha segredos que não acabavam nunca, e quanto mais fundo ela ia com o Mar, mais ela aprendia.

Desejo ignorava que Utopia tivesse tantos amigos, na sua cabeça de quase adulto ele via a menina brincando sozinha, e ficava com pena. Às vezes, construía algum brinquedo pra ela com madeira e bambu. Sempre que completava um ano do acidente eles comemoravam o aniversário dos dois. Desejo fazia uma festa e pescava um peixe, ficavam ele, Utopia e mais Ninguém na praia contando as estrelas. Quanto mais Utopia crescia, mais o moço se apaixonava por ela. Desejo sempre falava do tempo em que os dois se casariam , ele esperava aquilo com muito afinco. Quando Utopia menstruou pela primeira vez, Desejo começou a construir uma casa maior para os dois morarem juntos. E Desejo aprendeu a fazer uma rede pra poder amar Utopia. Utopia parecia não se empolgar muito com isso, mas o rapaz achava que era normal pela idade dela.

Utopia estava então com doze anos e começara a virar mocinha. Sentia-se muito curiosa com seu novo corpo: sangrava uma vez por mês, estava com alguns pelos ralos lá embaixo e sentia dor nos peitos. Um dia acordou com uns biquinhos e, de uma hora pra outra, seus seios começaram a crescer. Sentiu-se mal porque estava ficando diferente de Desejo. Perguntou pra ele, e ele riu, disse que ela estava virando uma mocinha. Utopia não gostava de envelhecer, e quanto mais Desejo crescia, mais ela tinha medo dele. Queria ser criança pra sempre. O único que a entendia era o Mar, olhava pra ele e via seu reflexo, uma moça igual a ela, com seios e pelos lá embaixo. Desejo era tão diferente, incontrolável, e o Mar era tão calmo e sábio. Um dia ela contou pro Mar que estava apaixonada, e que não ia casar com Desejo. Ia fugir de Desejo o quanto fosse possível.

Desejo já estava se tornando homem. Faltava um ano para se casar, então ele tinha vinte e quatro. Já aprendera a pescar, plantar e construir utensílios de madeira, nadava como um peixe e o Mar era seu amigo. Aprendera tudo que sabia com a Natureza, a única coisa que faltava era poder amar uma mulher. O rapaz podia sentir o amor dentro dele, queimava o como fogo, mas era só uma idéia vaga, não era prático. Queria compartilhar aquele sentimento com alguém, mas parecia que Utopia nunca era grande o suficiente. Agora, a menina passava os dias nadando e sempre voltava com um caranguejo ou estrela marinha. Dizia que eram presentes que o Mar lhe dava, e se enfeitava com pedrinhas e corais. Desejo sabia que o Mar era traiçoeiro e tinha medo que um dia ele levasse Utopia. Quando Utopia menstruou pela primeira vez Desejo fez uma roupa para ela. Era pra controlar Desejo, porque ele era um rapaz de palavra e só queria possuí-la depois que casassem.
Utopia


Nesses tempos Utopia já estava apaixonada, o Mar lhe enchia de presentes e em troca ela ficava horas dentro dele.

_ Desejo vai ficar muito surpreso, quando descobrir que eu não sou mais mocinha. Por mais que Desejo me tente, eu me entreguei, antes, pro Mar.

O Mar sabia que a moça era dele, ela havia fugido uma vez, mas devia voltar algum dia. Só Desejo podia levar a moça pra outro destino. Um dia o Mar deu a Utopia uma pérola, foi seu presente de quinze anos, serviu como um anel de noivado. A menina, agora moça, jurou pro Mar que só amaria ele e mais Niguém. O Mar pediu que ela só o amasse e ponto. E assim fez.

Desejo estava muito feliz porque hoje era o dia do aniversário dos dois, ele tinha preparado tudo muito bem. Havia feito aguardente com as frutas da ilha, pescado siris, camarões e caranguejos. Construíra sua casa com um quarto grande e uma rede confortável. Fez uma coroa de flores para que Utopia ficasse ainda mais linda no dia de seu aniversário. Mas parecia que Utopia se perdia, quanto mais velha ficava. A moça já mal conversava com Desejo, e os dois nem pareciam irmãos. No dia do seu casamento a menina ficou no Mar toda a manhã e só voltou pra casa de noitinha.

_ Onde você estava Utopia? Eu preparei nosso casamento com tanto carinho, pesquei caranguejos, siris, camarões, teci uma rede e até lhe fiz uma coroa de flores.

_Eu estava com o Mar...

_Você devia ter cuidado com o Mar, ele é traiçoeiro, não esquece que foi ele quem levou a nossa gente.

_ Eles devem estar num lugar melhor do que essa ilha maldita, não agüento mais ver sua cara todo dia, não agüento mais você, Desejo. Desejo me querendo, Desejo me tentando... Eu tenho nojo do Desejo! Eu quero sumir com o Mar.

_Não, fale isso Utopia! Eu te amo tanto! Como você pode falar assim comigo? Eu sempre te cultivei Utopia, como uma flor, e você me despreza como o mais vil dos homens? Minha Utopia, aonde eu errei? Quando eu te perdi?

_ Eu não sou sua Utopia, eu não sou de Ninguém! Eu não tenho dono, eu não tenho destino traçado, foi tudo um acidente...

_ Como um acidente? Você me traiu, Utopia!

_Um acidente, por acaso eu conheci o Mar, e com ele descobri o mundo. Me apaixonei pelo Mar e seus mistérios, o Mar e seus presentes. Eu preciso do Mar. Me identifico com ele, o Mar também tem seu lado feminino, no qual vejo meu reflexo, a Mar. Não só “O” MAR, e a Mar é linda também.

_Minha Utopia, completamente perdida, minha Utopia está morta! Aonde se escondeu aquele sonho? Aonde se perdeu minha menina? Cuidei de ti como o mais valioso dos tesouros, te pus numa redoma de vidro. Num mundo aonde só existíamos você e eu, como evitas me amar?

_Entenda, Desejo, você é muito importante pra mim, mas quero o Mar, entenda, nasci para Mar e dele sou parte, nele encontrarei minha família, meus pais... Não suporto mais morar nessa prisão!

_ Impossível, eu não vou aceitar isso! Você tem que ser minha, eu esperei muito por esse momento!

E Desejo partiu pra cima de Utopia, agarrou-a pelos cabelos, agora compridos, e beijou sua boca vermelha e carnuda. Sentiu seu peito contras os seios da menina, e um calor correu por seu corpo. Desejo enlouqueceu, Desejo estava cego, atirou a menina na areia, e pulou sobre ela. Arrancou a folha que cobria os pelos, já não mais ralos de Utopia e colocou a mão em sua parte de baixo, estava molhada, com água salgada:

_Mas como? Quem?

_O Mar! O Mar entrou em mim, Desejo. Ele me transformou em mulher, antes de você! Há tanto Mar dentro de mim que você nunca vai poder tirar, por isso estou molhada, por causa do Mar. São dele as lágrimas que saem dos meus olhos, salgadas também, eu sou do Mar, Desejo. Você pode me possuir agora, mas nunca vou te amar.
O mar

Desejo tinha quebrado a Utopia, ela estava deitada no chão chorando, encolhida. Abraçada aos joelhos em posição fetal, de seus olhos saíam pequenos pedaços de água do Mar. A pérola que havia ganhado reluzia, presa aos seus cabelos negros. Desejo perdeu, então, o controle, começou a chorar e viu que o Mar também o contaminara. Tentou conter as gotas salgadas que saíam de seus olhos, odiava o Mar, ele lhe roubara tudo: seu passado, sua memória, seu amor, seu tempo. Fez-se amigo do Mar, mas sabia que o Mar lhe destruiria. O Desejo estava dentro do Mar, e o Mar dentro do Desejo. Ficou louco, de vez. Saiu correndo gritando, vermelho. Arrancavas os tufos loiros da cabeça, desesperado. Gritou muito alto e Ninguém ouviu. Aquele dia o Mar estava bravo, agitado, Desejo pulou no Mar com ódio, mas o Mar abraçou-o, estrangulou-o, as lágrimas de Desejo fundiram-se ao Mar. E o Mar entrou em Desejo pelos pulmões, sufocando-o. Desejo sumiu, então, no meio da noite e do Mar.

Utopia ficou perdida na Ilha, a noite toda, e vagou sozinha, sem Ninguém. Estava apaixonada pelo Mar, mas sentia-se mal por ter perdido Desejo. No dia seguinte o Mar já estava calmo, Utopia, solitária resolveu que era hora de ficarem juntos para sempre. Entrou no Mar, e ali ficou, sentindo-o dentro do seu corpo, descobrindo o amor. As ondas levaram-na longe, finalmente o Mar recuperara o que era dele.

***

Da ilha nada mais restou, nenhuma testemunha, Ninguém soube o que aconteceu. Ninguém ficou lá. Só.

20/07/05

Frico Giacomo
- jornalista e hipocondríaco - escreveu o conto em 2005, depois que a ideia apareceu na sua cabeça minutos antes de dormir. Guardou na gaveta até 2009 quando perguntou pra Sabrina Barrios - designer, artista e ariana - se ela podia fazer ilustras inspiradas na história. Ela, que além de talentosa é pró-ativa, topou e o resultado ta ai embelezando nosso clubinho.

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