segunda-feira, 30 de março de 2009

Obsessão - Cecilia Di Giacomo


Mishima tem um corpo como o meu
cheio de buracos
Com certeza comeria Mishima
Numa noite de lua clara e muitovento
O que seria ANTROPOFAGICAMENTE
sa u dá vel

Tenho um corpo-alma
que se expande e quer
mais...

Cecilia anarquista, feminista de um lugar mitológico e inconsciente onde as pessoas dormem na rede ,dançam danças tribais na lua cheia, tomam vinho e se amam. E sonham sonhos utópicos em que somos humanos demais e preguiçosos e vivemos o matriarcado . O resto é merda. Que também é bom.

Mande sua arte para clube.ideias@gmail.com

domingo, 29 de março de 2009

17ª sessão do Clube de Ideias: Uma nova escola?

Penápolis, 15 de março de 2009.

Professores associados: Jáder, Machado, Vladimir, Teixeira, Figueiredo e Veloso.


Novamente retomamos alguns aspectos da educação, pois afinal essa tem sido a realidade profissional de quase todos os associados deste clube.

O professor Vladimir afirma que as pessoas se iludem com a propaganda do governo sobre as grandes mudanças na educação ou ainda, acreditam que medidas de auto-ajuda vão resolver os problemas. Como dizia Marx tem que partir da realidade concreta, das condições materiais, para perceber o que esta acontecendo.

Na escola pública em que atuo, diz o professor Teixeira, posso enumerar dois casos concretos das dezenas que ocorrem todas as semanas. Fato concreto 1: aluno com passagem pela polícia, inclusive agressão contra um policial desacatou a todos na escola e ainda agrediu o diretor da escola com uma lata de lixo. Apesar de ser criminoso, a justiça determinou a sua matrícula no começo do ano. Agora o conselho de escola vai transferi-lo, porque a expulsão não pode ser aplicada. Fato concreto 2: aluno da mesma escola , com perturbação sexual , assedia alunas no recreio , na sala de aula , nos corredores , etc. Os pais são chamados , ignoram o problema , porque são causadores do problema : assediam sexualmente o filho.

Figueiredo afirma que intervenções de grupos, Ongs, em projetos educacionais, estão em sua imensa maioria desconectada da realidade escolar, principalmente aqueles grupos que acreditam em reformas através da boa vontade, da solidariedade, da participação efetiva da sociedade na solução dos problemas educacionais.

Veloso afirma que participar ajuda, corresponde as conquistas democráticas da sociedade, mas não resolve questões estruturais como salários, formação de professores, disciplina, trato de alunos deficientes, freqüência de marginais nas salas de aula.

Jung, em “O Desenvolvimento da Personalidade” supera o materialismo do século XIX para repensar a educação no início do século XX, afirma o professor Machado. Um aspecto importante para lembrar sobre o comportamento das crianças nas escolas é entender que os pais são quase sempre os responsáveis pelas neuroses das crianças ( pg. 75) . A criança que sofre de algum desvio comportamental na escola, pode ser encaminhada pela direção da escola para tratamento médico ou para o conselho tutelar, mas a fonte da perturbação não é tratada: os pais. Chega de louvar a “santa maternidade” que desprovida de responsabilidade gera “monstros humanos” (pg. 178), conclui Machado inspirado em Jung.


Mas Jung lembra também como deve proceder o educador, que deve ter clareza sobre os seus pontos de vista e sobre suas falhas . Ser exatamente o que você é, sem iludir a criança, o educando. Esse é um ponto importante esquecido pelos educadores. “O educador deve ter em mente que pouco adianta falar e dar ordens; o importante é o exemplo” (pg. 137). “Ninguém pode educar para a personalidade se não tiver personalidade” (pg. 177).

Machado lembra de outro aspecto importante levantado por Jung. As crianças inúmeras vezes não devem receber educação coletiva, igual, se apresentam alguma deficiência, ou resistência à educação coletiva. Devem ser criadas classes diferenciadas não para excluir, mas para atender melhor as crianças, desenvolver suas potencialidades. O que não significa que toda a criança tenha potencial para ser, ou vontade para ser, pesquisador, livre docente, bacharel, etc. Não queremos decoradores de matemática, ou de palavras, a escola precisa atender a todas as necessidades humanas desenvolvendo talentos em diferentes áreas.

Claro que não defendemos o fim da escola formal, acadêmica, mas existe a necessidade de se criar escolas novas para atender todas as necessidades. Essas reflexões não estão na pauta dos dirigentes políticos e educacionais, nem tampouco nas Ongs. O que eles querem é uma escola única. Todos seguindo a mesma cartilha, amontoados. Afinal os custos...

Jáder Marcos Paes Correto da Rocha

sexta-feira, 27 de março de 2009

Clube de Ideias With Lasers

Sobre layout
Olá, como vocês devem ter percebido estamos passando por uma mudança de layout. A intenção é que os textos fiquem mais legíveis, o que era um problema grande no layout antigo. Algumas pessoas sentiram faltas de cores e um topo nesse layout novo. Isso é uma coisa que vamos conversar com nosso guru do design Thiago Lacaz :-P

Sobre audiência
A audiência do Clube estava indo muito bem em março, mas na sexta-feira passada, quando mudamos o layout, apagamos sem querer a tag de audiência. Perdemos uma semana nas nossas estatísticas. Agora parece que o problema foi solucionado e mês que vem voltamos a programação normal

Twitter
Clube de Ideias é tendência e está no twitter há algum tempo. Siga a gente lá ;-)
http://twitter.com/clubedeideias

quarta-feira, 25 de março de 2009

Antônio Casamenteiro - Fabiane Zambon

Antônio Casamenteiro(Bobagem Assertativa de Passagem II)

No bar
- "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é", já dizia Caetano.
- Exato!

No táxi
- O caminho que for mais curto e rápido até minha casa.
- Farei o possível. Mas eu não posso encurtar o caminho. Ele existe assim, do jeito que é. Vou por este aqui, tudo bem?!
- Sim, pode ser. Não... espere! Vai por esse.
- Mas esse é mais longo.
- E não é o mais fácil. Digo quando parar. Se parar.
- Tudo bem...
- Já andou com passageiro assim?!
O taxista sorri.

- Nessa rua?!
- Sim. Pára. Ele mora aqui. O que eu faço?!
- Você vai descer aqui?
- Não sei. Estávamos entre amigos naquele bar. Queria ficar com ele, mas nem disse nada. Agora não sei é tempo.
- Entendi. Você é jovem. Solteira?
- Sim.
- E ele?
- Também.
- Então pode fazer dessas coisas! Peça para dormir aqui quando ele chegar. Não se arrependa, porque o tempo passa rápido.
- A vida que é curta.

- E então, moça?!
- Mais cinco minutos.
- Tudo bem.

- Por que não disse a ele que queria vir?
- Porque tive medo. Opinião dos outros.
- Não precisava. A vida é sua e não dos outros.
- É. Droga de dúvida! Ficou esse nó entalado. Pareço louca. Já teve passageira louca?
O taxista sorri.

- E se ele não vier, moça?!
- Só mais um tempo. Então, vamos embora.
- Tudo bem.

O taxista liga o rádio
Roberto Carlos - De que vale tudo isso?

- Gosta de Roberto Carlos?
- Espera. É ele! Vou lá. Me deseje sorte.
- Vai lá, menina. Boa sorte!

De volta ao táxi
- ...E então?!
- Bota. O caminho que for mais curto e rápido, por favor.
- Você é jovem, simpática, bonita. Não entendo ele, não...
- E maluca. Eu o entendo.
- É nada. Teve coragem de fazer o que sentia.
Disfarçando, ela sorri.

- Não fica triste.
- Ficar triste faz parte disso. Dói, depois passa. Que passe rápido...
- Não fica triste, não. Já amei muito. Casei sete vezes! Agora estou solteiro. Pois quer saber como é um casamento?
- Pois, fale.
- Casamento é assim: começa embarcando tranquilo na Paraíso e sai sufocado na Consolação!
Eles sorriem.

- Qual é o seu nome?
- Antônio! E o seu?
- Maria.
- Maria Aparecida?!
- Não. Maria Elena.
- Nome bonito.
- Que ironia. Você tem o nome de Santo Antônio. Justo o santo casamenteiro.
- Verdade, logo eu. Mas acho que se é assim é para dar conselho por experiência própria. Esquece esse que logo vem outros para você conhecer. E será muito amada, viu?!
- É?!
- Sim. Confie no que falo! Mas não se case por enquanto. Namore daqui, junte dali. Depois para separar é mais fácil.
- Livres assim.
- E assim que é.

- Chegamos! É aqui. O dinheiro.
- Espere! Balas do taxista para adoçar a vida.
- Não, obrigada, Santo Antônio.
- É uma delícia! Leve.
- É, levarei de leve.

*Agradecimos ao Antônio, o casamenteiro-santo-conselheiro-taxista.

Fabiane Zambon é atriz, libriana, designer multimídia e escreve textos zaizers no seu Loading Myself

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=>Leia outro conto de Fabiane Zambom aqui

sábado, 21 de março de 2009

16ª sessão do Clube de Ideias: Ditabranda

Sábado é dia de Clube de Ideias:

Penápolis, 8 de março de 2009
Professores associados: Jáder, Machado, Vladimir, Teixeira, Figueiredo e Veloso.


A polêmica iniciada pelo Jornal Folha de S. Paulo sobre o regime militar no Brasil denominado de “ditabranda”, ganha novos contornos com o artigo do professor Marco Antonio Villa (Ditadura à brasileira - FSP 5/3/2009). Nada mais falso comparar o regime militar brasileiro com as ditaduras do cone sul , diz ele. Durante o regime militar houve tortura, perseguições, mas também houve avanços: novas universidades públicas, festival de música popular, etc. Villa acerta , diz o professor Machado, na sua abordagem histórica sobre aquilo que realmente aconteceu entre 1964 a 1985, sem perder a perspectiva do estado de exceção que se estabeleceu aqui depois do AI-5. É bom esse debate para acabar com a utilização política do período por aqueles que nada fizeram durante o regime militar e agora querem ser transformados em heróis apostando na ausência de memória histórica, afirma o professor Figueiredo.

O leitor da 12ª sessão , senhor Zebra , reafirma a importância do Fórum social mundial porque traz personagens para os debates ou palestras como David Harvey, o que justifica a existência desses eventos. Também apreciamos Harvey, principalmente o professor Vladimir que vibra quando Harvey diz: “Quando eu olho para a história, vejo que as cidades foram
regidas pelo capital, mais que pelas pessoas”. Outra questão levantada pelo leitor é a questão do bem e do mal. Não acreditamos em consciência do bem ou forças do mal. Já algum tempo (cerca de 40 anos) abandonamos a dicotomia judaico-cristã do bem e do mal.


Ariadne voltou a nos visitar para executar uma bela dança do ventre e reforçar a bandeira do nudismo como lazer. Não o lazer do consumo, dos finais de semana nos shoppings, ou o obrigatório das baladas, ou da embriagues do final de semana. Essas são construções do mundo capitalista, que combatemos a exemplo do combate que o marxista Harvey faz.


O ócio foi esquecido, exclama o professor Veloso. No passado era o caminho que nos levava a contemplação e na Idade Média a Igreja o transformou no caminho que nos leva a deus, afirma Machado. Ariadne nos revela que o ideal do lazer deve estar livre das obrigações. Não podemos ter lazer estabelecido pela sociedade de 48 horas semanais, diz ela. Essa é uma farsa. Daí a defesa do nudismo que ainda não foi completamente controlado pela sociedade de consumo e tem um significado simbólico porque você não ostenta as roupas, adereços do consumo e despreza também o culto do corpo academia, porque a praça do nudismo é de todos.


Outro aspecto é o desejo sexual, afirma o professor Veloso, uma presença constante para os nudistas, pois o movimento pretende trabalhar todos os aspectos da desrepressão.



Mas sob o ponto de vista epicurista, lembra o professor Teixeira o comportamento do nudista deve ser saber lidar como o próprio corpo para não se escravo dos desejos dos outros ou desejos criados. Dessa forma tiro a roupa, mas não sou não devo ser condicionada pelo desejo do outro, alerta Ariadne. Nesse campo se estabelece a ética nudista, completa Teixeira.


Nietzsche disse certa vez que a tragédia grega é a transformação apolínea de ritos dionisíacos o que nos leva a receber com alegria Ariadne e as ninfas para realizarmos o caminho contrário da tragédia.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Olhares - Karol Felicio


Olhares de poucos segundos

Como o lateral, da garota dos drinks, olhos de pecado. Contornados de tinta negra, segundos de sedução.

Ou o casual, frontal, claro e doce. Resgate de infância, segundos maternais.

Os segundos mais cruéis no olhar do desprezo, seco, frio, duro. Olhos de dedo em riste, segundos antes da despedida.

Olhos d’água, do amor incondicional, necessitado, eterno, em desespero, à espera. Doloridos segundos em que não pude retribuir.

Olhos para o fundo do poço, para o fim que não tem, para portas fechadas e a luz queimada no fim do túnel. Olhar gelado de medo. Segundos pós-trauma.

Nos segundos em que se perde do tempo e de tudo mais que havia em volta.

A pausa do cérebro para sentir a porrada na boca do estômago, o elevador – 1000m/s- do pé ao cabelo. Segundos de prazer ou dor.

Todo o tempo do mundo em breves segundos por intensos olhares

Karol Felicio é mulher e sabe o que quer. Filha de Pagu, jornalirista made in Espírito Santo gosta que devorem suas poesias(indigestas ou não) aqui ou em seu blog. Com garfo e faca ou com as mãos.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Três - Ana Alice

O tempo que lhe cabe
Pra fazer
Dois
É o mesmo de correr o risco
de ser
um.

E todo
Em parte
Tripartido
Pelo ir
Vir
E encontrar.

Mas se não der
Azar.

Ana Alice Gallo nasceu em Ribeirão Preto, vive em São Paulo e é canhota, além de escrever poeminhas bacanas, é baterista e jornalista. Evita o estresse com doses de zen drugs e toca nas bandas Milhouse e Liga das Senhoras Católicas. Leia mais textos dela no brog Credencial Tosca.


terça-feira, 17 de março de 2009

Luciano Scherer

Descobri o Luciano Scherer pelo blog do MCD LAB#1

No Flickr do cara tem mais coisas bacanas.


O gaúcho nasceu em Santa Vitória do Palmar, interiorzão do Rio Grande Sul. Em Porto Alegre ele começou seu trabalho com colagens pelas ruas, pinturas e esculturas.Ano passado participou de uma exposição coletiva artistas de Porto Alegre, na Galeria Choque Cultural e ainda expôs seu trabalho na gringa, na galeria Anno Domini em San Jose, California.

Mande sua arte para clube.ideias@gmail.com

segunda-feira, 16 de março de 2009

Preto no Branco - Frico

Mesmo o cara que pode conquistar todas as mulheres do mundo é infeliz se não tem a mulher que ama. Eu estava tão triste que parecia que tinha uma gilete rasgando o coração numa bacia de álcool. Tristeza dói. Auto-piedade ameniza um pouco. Tava tudo escuro no quarto, não conseguia dormir. Tinha deitado às onze horas, revirava-me na cama, rolava de um lado pro outro. Onze e quinze. Pensei de novo na Clara, conversava com ela mentalmente, só assim a menina me escutava. Onze e meia, acendi a luz, li um conto do Rubem Fonseca, história maluca, não dava sono, apaguei a luz, tinha entrevista de emprego amanhã, repassei o que podia e o que não podia dizer. Quinze pra meia noite, vou até a cozinha, o filtro ta quebrado, encho o copo d água da torneira, tem gosto de lodo e consistência de barro. Tem gosto de derrota, sou um perdedor, pelo menos nisso sou bom. Na geladeira um punhado de contas, um punhado de fracassos, números de pizzaria. De que me adianta? Não como uma pizza há seis meses, preciso de um amigo com uma condição financeira melhor que a minha pra pagar.

Olho o caderninho de endereços buscando alguém que esteja com a corda mais frouxa no pescoço do que eu. Os sonhadores de hoje são os fracassados do amanhã, ta todo mundo rolando na sarjeta. Edgar queria ser cineasta, agora trabalha de balconista numa vídeo-locadora. Silas, o mais inteligente da classe, fazia parte do movimento estudantil, terminou com a namorada, transou com sua melhor e mais gorda amiga e engravidou a mulher. Uma noite, uma maldita camisinha que estourou, e o cara tem que sustentar uma família. Francisco era poeta, bebeu tanto que ficou louco, outro dia encontrei caído na rua, tinha cagado na calça, fingi que não conhecia, tive nojo. Não devia fazer isso, nós éramos amigos naqueles tempos. Quando as coisas estão boas todo mundo é muito amigo, eu era uma mina de sonhos e hoje em dia animo festas como palhaço. Se você é mais azarado que eu, por favor me escreva uma carta.

Mais um mês sem pagar telefone e cortam a linha de vez, agora só recebo ligações. A luz ta pra estourar. Volto pra cama, não dá pra dormir com tanta coisa pra resolver. Rolo pra direita, não consigo achar a posição certa, não consigo achar conforto. Penso na Clara, penso em sexo, dois meses sem trepar, isso não acontecia quando tinha vinte anos. Puta merda, vai ter que ser assim de novo, meia noite e meia. Vou a banheiro, me masturbo. Dá uma aliviada, quase como fumar um baseado. Volto pra cama e durmo.

_ Clara, eu descobri o mal de todo nosso problema.

“Sim, meu querido, ela parece dizer”.

_Agora nós não precisamos mais discutir, você vai ser eternamente minha.

“Eu sempre fui sua, amor”.

_Olha aqui, arranquei sua língua com a faca!

“Ela tem o sorriso mais lindo do universo, mesmo sem a língua”...

Acordo, atrasado de novo, tenho entrevista de emprego e depois festa de crianças para animar. Vendo felicidade, toda minha alegria artificial é sugada pelas crianças imbecis. À noite fico só, com a maquiagem no rosto, o palhaço mais triste do planeta.

Chego em casa, só o osso, completamente infeliz, vazio. Sou um aborto, uma merda cagada por uma dona de casa em uma maternidade pública. Sempre tive medo da morte, mas agora já não me divirto com a vida. Cortaram a luz, o telefone ainda toca. Desisto de atender, olho pro espelho, a maquiagem está borrada por lágrimas. Sou um palhaço triste, ta ai meu epitáfio.

***

Um dia iluminado para uma menina dourada: Clara, um metro e setenta, mas queria ser mais alta. Cabelos loiros, mas queria ser ruiva. Olhos verdes, que podiam ser azuis. Clara não estava satisfeita com a vida, mas não queria morrer. Tinha dúvidas sobre tudo:

1975, nasce Clara Alva. Demora para sair do útero materno, hesita. Dois dias de atraso, a mãe morre no parto. Clara suspeita: “Terá sido culpa minha?”

1980, aos cinco anos o vovô pergunta a Clara: “Meu docinho o que quer de aniversário, pede o que quiser que o vovô dá”. Clara pensa, pensa, pensa, mas fica em dúvida. Uma viagem para Disney é melhor que uma casa na árvore? Seu Francisco Alva morre sem saber a resposta.

1990, aula de religião. “Então Deus criou o mundo, certo”? A menina balança, não tem nada contra Deus, nem a favor, mal o conhece. Quando ora, nunca sabe para quem pedir proteção, à alma da mãe ou ao pai que ficou sozinho. Desiste e vai dormir depois do Pai Nosso. “Então Deus criou o mundo, certo”?

_Não, sei.

_Como não? Você não acredita em Deus?

_Não, sei.

_Não sabe, como assim não sabe? Você quer ir para o inferno?

_Não sei...

_Menina, você está ficando louca? Não aceitamos ateus nessa escola.

Expulsa do colégio de freiras, o pai fica preocupado. “Por que você fez isso, minha filha?” Mas não houve resposta. Clara é uma menina muito bonita, mas quase não têm namorados, sempre titubeia para escolher com quem ficar.

1993, ano de prestar vestibular. Tem dúvidas entre Ciências Sociais e Comunicação Social, não sabe se deve tentar ganhar dinheiro ou se deve seguir seus sonhos. Não sabe se deve comer bife ou se tornar vegetariana. O pai pede que preste fonoaudiologia. Indecisa, acaba aceitando.

1997, forma-se sem brilho. Não sabe se é realmente o que quer da vida. Fica um ano desempregada até que o pai lhe arruma um emprego trabalhando com surdo-mudos.

1999, um ano trágico para a menina. Seu noivo Juan Silva, suicida-se. Suspeita-se que o rapaz não agüentasse mais a indecisão de Clara sobre o casamento, afinal, desmarcaram a data quinze vezes. Desesperado Juan foi a sua casa, olhou em seus olhos verdes e falou:

_Clara você ama outro homem?

_Não sei, Juan.

_Clara, você já amou alguém?

_Não sei, Juan, gosto de você, mas não sei se o suficiente...

Atirou-se do décimo andar. Na dúvida, se estava triste ou não, preferiu evitar as lágrimas no velório.

2001, mais um ano difícil. Dimas Alva, pai dedicado, está com câncer. “Deve ser muito triste perder o pai, para uma garota que nunca teve mãe” “Talvez”, ela pensa. Em seu leito de morte o patriarca sussurra: “Filhinha, dediquei toda minha vida a tentar solucionar sua eterna dúvida, não sei se falhei ou não, mas te amo”. Ela ficou quieta. O pai morreu sem paz. “Funerária Bom Pastor” ou “Descanso Eterno”? Nova dúvida. O corpo começava a feder, a família tem que tomar uma atitude drástica. Enterram Dimas como indigente.

2003, está na cama com Juliano. Sua pele branca contrasta com o negro da pele do palhaço triste. Não sabe se o sexo é bom ou ruim, não sabe se já teve um orgasmo na vida ou não, acha que gosta do rapaz, mas não pode ter certeza. Pensa em fundar uma ONG: para ajudar cachorros sem dono ou anjos sem asas.

2004, prefere terminar com Juliano porque não sabe se quer namorar ou não. O rapaz entra em depressão, não sabe se sente compaixão ou arrependimento. Passam-se trinta anos. Não sabe se a vida é boa ou ruim.

2005, tenta ligar para Juliano. Pode ser que queria reatar, ou talvez seja apenas um pretexto para uma boa conversa entre amigos. Ninguém atende, tem vontade de ligar de novo, mas o rapaz pode entender tudo errado.

2034, Uma mulher vestida de negro bate em sua porta. Talvez a conheça, pergunta se: “Devo chamá-la para entrar ou não.” A estranha acaba sentando-se na sala. Sabe seu nome e fatos relevantes de toda sua vida. “Mas como? Nunca a vi antes.” A mulher é muito pálida e usa um lenço na cabeça. Traz um caderno com diversas datas nas mãos.

_È uma oferta, você nunca decidiu nada na vida, passou-a observando em dúvida, nunca arriscou ou apostou. Ofereço-te a chance de voltar ao parto e viver tudo de novo.

Hesitou. Pela última vez. Sentiu uma dor no peito aguda que lhe garantiu a certeza de alguma coisa. Os olhos pararam. Pela primeira vez não teve que decidir nada. A mulher de negro levou-a para sempre.

Frico já foi punk, anarquista, jornalista, baixista, poeteiro, ator, filho, namorado, corno, cafajeste, culpado e inocente. Mas nunca deixou de escrever e sonhar. Tudo isso no blog Punk Brega

sábado, 14 de março de 2009

Saudades de Paulo Francis: 15ª sessão do Clube de Idéias

Sábado é dia de Clube de Ideias

Penápolis, 1 de março de 2009

Professores associados: Jáder, Machado, Vladimir, Teixeira, Figueiredo e Veloso.

Relemos o livro “O afeto que se encerra” de Paulo Francis (edição da Civilização brasileira, 1980). Foi o saudosismo dos associados que levou a releitura e também para reverenciar um estilo jornalístico que se perdeu, apesar dos imitadores pós modernos.

O professor Machado diz que o livro não é uma autobiografia, mas um livro de memórias, como Francis afirma logo no início do livro, procurando definir inclusive o significado da escrita na pg. 14. Dai o ecletismo, a variedade dos assuntos por ele tratados, o que era uma marca também nos seus artigos que começava a falar do governo brasileiro, passava por Dostoievski e terminava em Manhattan.
Perfeita percepção, diz Vladimir, quando Francis define os métodos da SS e da Cheka soviética como fruto dos métodos da Cia. de Jesus (pg. 46).

São interessantes as críticas sobre a esquerda brasileira, comenta o professor Figueiredo, que meteu os pés pelas mãos quando nos anos 60 diluiu, com o apoio do populismo de Jango, a luta sindical, que não pode dessa forma reagir ao golpe de 64 (pg. 61). Feliz análise de Francis sobre a loucura da posse de Jango, o seu vacilo político e o reacionarismo da classe média que temia o discurso da esquerda de “virar a mesa”.

Teixeira, citando Francis diz, temiam “... perder tudo, de empregados tomarem as jóias da patroa, ou que o morro descesse , apavorados pela propaganda hábil que a direita fez da propaganda inábil da esquerda. Essa é a síntese sociológica do golpe de 1964.” (pg. 61.). Assim, nos tornamos uma ditadura, para regozijo da classe dominante e como sempre o “fator humano, é o supérfluo, o sacrificável” (pg. 69).

O professor Veloso considera Francis um bom jornalista, mas um romancista frustrado. Na verdade Francis se considerava comentarista. De qualquer forma, diz Veloso, Francis percebeu que no futuro (hoje) o caos se estabeleceria devido ao desgoverno e a concentração de renda afirmando: “Um dia as cidades cairão definitivamente e uma nova era de trevas se abaterá na cabeça de todos, menos dos responsáveis, que fugirão de Concorde a Paris ou Londres, baldeação da Suíça” (pg. 70).

É curioso ver a posição avessa ao nacionalismo e a defesa da fraternidade universal (pg. 71) por um homem que insistia nos seus artigos (como por exemplo, “41 anos de solidão”, Folha de S. Paulo, 9/7/1987), de estar só, de querer ficar só. “Preciso de uma certa solidão ocasional” (pg. 146) . “Me consideram um caso perdido, um pequeno burguês que tornou às origens, se acreditando o centro do mundo” (pg. 147) . “A vida não começa aos 40. Começa a terminar, se tivermos sorte de resistir tanto”(pg. 132) . Dá impressão de que Francis era um ermitão mal humorado, perfil que se completou com a sua participação na TV (jornal da Globo e Manhattan Connection na GNT). Mas Francis era amável e hospitaleiro.

O professor Machado avalia que ele transitava muito bem pela obra de Marx, desafiando os intelectuais e a academia. Essa sua habilidade na leitura começou cedo, aos 14 anos, lendo em média 6 horas por dia.

Dessa forma é acertada análise que ele faz na pg. 170 partindo de uma reflexão de Marx sobre o capitalismo que retrata a atual crise global: “Marx me parece ter previsto o fim do capitalismo. (...). O avanço tecnológico que abate custos e aumenta lucros levará à miséria a imensa maioria da humanidade. (...) O monstro do capitalismo, que se alimenta de sangue, morre de anemia, dos próprios excessos”.

Encerramos a sessão com Francis: “Só se desilude quem se iludiu” pg. 171.

quinta-feira, 12 de março de 2009

São Jorge Descansando - Cecilia Di Giacomo

Quinta-feira é dia de arte no Clube de Ideias.

São Jorge Descansando ou Ogum que nos proteja


Vida :
UIVO DO VENTO
CHEIRO DE LAMA
PELE NA PELE
UMA PUTA LUA CHEIA
São Jorge mais o dragão


Cecilia Di Giacomo tem cabelo vermelho, é socióloga, pinta, mas também escreve poesia e esculpe. Seus olhar feminino(ista) está sempre em cima de corpos e sensações.

Quer ter sua arte publicada no nosso clube? Mande e-mail para clube.ideias@gmail.com

quarta-feira, 11 de março de 2009

Sem Nada - Henrique Carvalho

Clique na imagem para ler o texto:


Henrique de Carvalho já atendeu pelas alcunhas de Zebra e Brinquedo quando cursava Arquitetura na Unesp de Bauru. Hoje ele deita e rola em arquitetura, urbanismo, paisagismo, intervenções de arte e pedidos expressos de poesia e prosa.

=>Faça como ele e mande suas criações para clube.ideias@gmail.com

terça-feira, 10 de março de 2009

O Portal - Sabrina Barrios

Terça-feira é dia de ilustração no Clube de Ideias, e pra comemorar o sucesso que Sabrina Barrios anda fazendo pela blogsfera vamos publicar mais um trabalho dela: "O Portal".


Sabrina Barrios é designer vinda direto de Santa Maria - RS. Essa colorada faca na bota mora em São Paulo, trabalha na Editora Globo, e já expôs seus trabalhos na terra de "Sex And the City", Nova York. Chique né?
Mais design, colagens, formas e cores no Flickr da moça.

=> Mande suas ilustrações e idéias pra agente também! É só escrever para clube.ideias@gmail.com

segunda-feira, 9 de março de 2009

Clube de Ideias citado no blog Std

Nesta segunda, o blog Std inciou uma séride de entrevistas com mulheres talentosas e a primeira entrevistada foi a Sabrina Barrios, ilustradora e designer que colabora com o Clube de Ideias.

Nosso humilde blog foi citado como fonte pelo entrevistador.

Sucesso, Sabrina! A entrevista vocês podem ler aqui

O trabalho da Sabrina vocês podem conferir aqui

sexta-feira, 6 de março de 2009

Ariadne, a velha hippie - 14ª sessão do Clube de Ideias

Penápolis, 22 de fevereiro de 2009.

Jáder, Machado, Vladimir, Teixeira, Figueiredo e Veloso.



Quando iniciávamos mais uma reunião sob a fresca sombra da velha pitangueira eis que recebemos visita inesperada de Ariadne, a velha hippie.

Chegou citando Foucault: “A lua, cuja influência sobre a loucura foi admitida durante séculos, é o mais aquático dos astros. O parentesco da loucura com o sol e o fogo surgiu bem mais tarde.”. Continuou falando tresloucadamente citando também, Marcuse, Lacan.

Observa Machado que Ariadne deve ter chegado navegando numa verdadeira Stultifera Navis porque o seu discurso corresponde ao do navegante de águas transtornadas.

Insiste a ilustre e bela visitante em discutir o antagonismo Apolo Baco. Prega o culto a Baco e começa a arrancar a roupa, para o deleite destes não tão sóbrios professores.

O professor Veloso, decide acompanhar o gesto da velha hippie e também arranca a roupa iniciando com Ariadne uma dança que reproduz os gestos das festas dionisíacas.

Figueiredo observa um pouco mais afastado o ritual, considerando-o fora do contexto de nossas reuniões.

Ariadne prega que busquemos a nossa energia, a alegria, o corpo, ... a loucura.

Machado sendo complementado pelo professor Teixeira, contesta a “loucura” proposta por Ariadne, usando a mesma leitura dela: Foucault. “Mas se o saber é tão importante na loucura, não é que esta possa conter os segredos daquele; ela é, pelo contrário, o castigo de uma ciência desregrada e inútil.”

Cuidado companheiros! Diz Vladimir: estamos a um passo de reconhecer que aquilo que fazemos aqui não é válido, é falso, enfim de jardim epicurista, nos transformamos em jardim sofista. E mais, citando também Foucault, “Se a loucura é a verdade do conhecimento, é porque este é insignificante, e em lugar de dirigir-se ao grande livro da experiência, perde-se na poeira dos livros e nas discussões ociosas; a ciência acaba por desaguar na loucura pelo próprio excesso das falsas ciências.”

Não temos a pretensão de organizar um jardim acadêmico. Somos simples cidadãos que precisam desse refúgio para falar sobre as nossas visões e reflexões sem compromisso.

Ariadne, no esplendor da nudez, sem rubor, nos convida para um mergulho na piscina. Um batismo de voluptuosidade! Afirma ela. Veloso mergulha, todos mergulham inclusive o reticente Figueiredo.

Apolo descobre Baco e a Stultifera Navis traz belas velhas hippies para completar o ritual iniciado por Ariadne. Afrodite, Ártemis, Antonieta, Safo e Ceres, mergulham na piscina e juntos assistimos ao por do sol.


quinta-feira, 5 de março de 2009

Sketchbook 6 - Gabriel Gianordoli

Gabriel Gianordoli é um capixaba multimídia radicado em São Paulo - designer da editora Abril, ilustrador e guitarrista. Movido a Hurtmold, quadrinhos e trocadilhos ele está todo mês na revista Superinteressante, como designer, e no seu Flickr fazendo poesia com imagens